De que forma a poesia entrou na tua vida?
Sempre li mais livros de poesia do que de prosa. Tenho muito mais livros de poesia que de prosa, talvez 3 vezes mais. E é sempre os livros de poesia que eu busco nas livrarias ou nos alfarrabistas. E um livro de poesia é para mim o melhor presente que me podem oferecer.
Tens o blogue Porosidade Etérea onde fazes a divulgação de eventos ligados à poesia em geral. Quais são os teus critérios?
Abri o porosidade etérea, porque, como consumidora de poesia e interessada em tudo o que lhe diga respeito, sentia que existia uma lacuna. Não encontrava um espaço onde pudesse encontrar informação sobre lançamentos, recitais, novidades editoriais, mas só sobre poesia. Como já fazia uma agenda cultural literária há alguns anos para o site truca do locutor Luís Gaspar e já possuía uma boa base de dados de biografias de poetas e recolha de poemas que fui fazendo para esse site, e como já recebia muita informação por parte das editoras, resolvi abrir o porosidade etérea com o objectivo de, em primeiro lugar divulgar os poetas, os livros que iam editando, os lançamentos, etc., e depois, aproveitando para dar a conhecer algumas coisas menos conhecidas do grande público. Como o Luís Gaspar grava poemas em áudio lidos por ele, achei que era também interessante poder ouvir-se os poemas em voz alta. Isso fez com que o blogue começasse a ser visitado e recomendado por algumas escolas e bibliotecas. A particularidade do meu blogue é que é apenas dedicado à poesia e — outra coisa não muito usual — o blogue não serve para divulgar a poesia da autora do blogue, mas a poesia dos outros. O critério é apenas um: divulgar a poesia e os poetas. Mas numa lógica de divulgação do que vai aparecendo e do que vai acontecendo. Normalmente não publico os poemas que as pessoas me enviam para publicação no blogue, para isso elas deverão ter os seus próprios blogues.
Por outro lado, o porosidade etérea tem uma vertente pedagógica, pois fui abrindo portas, devagarinho, para as pessoas começarem a estar mais abertas a outras formas de poesia. Comecei a fazer passatempos para as pessoas participarem (e só nesses espaço publico poemas que me enviam) e já fiz passatempos tanto de quadras populares, como de haiku ou de poesia visual. O interessante é que as pessoas participam muito e experimentam novas formas de fazer poesia. Esses passatempos começaram a ter sucesso, tanto que agora são os próprios editores que me enviam livros para oferecer aos participantes nesses passatempos. Sempre fiz transparecer no meu blogue que a poesia é só uma. Das quadras do Aleixo aos sonetos de Shakespeare. E tanto falo de um livro de um jovem poeta que acabou de editar o seu primeiro livro, como de poesia do barroco alemão do século XVII ou do poeta chinês Han-Shan do século VII. Acho que dirijo o meu blogue como um normal leitor interessado em poesia. Investigando, procurando, deliciando-me com o que vou encontrando e... partilhando.
A imparcialidade com que atendes a todo o tipo de solicitações relacionadas com a divulgação é uma vantagem para quem quer prestar um bom serviço à poesia e aos autores?
Penso que sim. Cabe ao público decidir o que quer ler. Desde que lhe demos a informação do que existe. A informação tem de ser isenta e eu faço um trabalho equiparado ao jornalístico. O meu blogue não é de crítica literária. “Cada macaco no seu galho”, como se costuma dizer...
A tua principal ocupação é o design. Que trabalhos tens feito nessa área e de que forma eles se aproximam dos livros?
Como designer gráfica faço também capas e paginações de livros. Alguns de poesia, sim. Os de poesia dão-me um especial prazer, claro...
Também tens sido convidada para ler e apresentar livros de poesia. Fala-me dessa experiência.
As pessoas convidam-me e eu não consigo recusar. Sobretudo quando são livros de amigos. Mas não gosto muito de apresentar livros. Não me sinto muito à vontade. Agora ler poesia em público, sim. Adoro ler poesia. Sempre que me convidam, vou. Ler poesia em público é uma partilha fantástica. É quase teatro, tem de se colocar bem a voz, ler todas a palavras bem lidas para que sejam todas entendidas, mas também ler como se fosse o próprio poeta a ler o seu poema. Ler bem poesia em voz alta é como contar bem uma história. E quando leio poesia em público, sinto-me na pele do poeta que escreveu aqueles poemas. Não sei se o faço muito bem, mas gosto muito de o fazer.
Sei que também escreves poesia. Tens divulgado os teus poemas? Já pensaste em editar um livro?
É natural que qualquer pessoa que leia muita poesia e que goste muito de poesia, também escreva poesia... Simplesmente optei por não divulgar o que escrevo. O meu papel, na poesia, até agora, tem sido divulgar os outros, não a mim. Até porque tenho muita insegurança quanto à qualidade da minha poesia. Ainda não é suficientemente madura. Talvez um dia...
Crês que existe um excesso editorial que se traduz numa asfixia que atinge sobretudo os poetas e as suas obras quando têm de dividir o mesmo espaço (livrarias) reservado à literatura em Geral?
Sim. Por vezes vejo-me numa livraria de um lado para o outro tentando encontrar a secção de poesia. Quando me dizem onde está, constato com pesar que se reduz a meia prateleira, por vezes ao nível do chão, como 20 ou 30 livros. E quase todos da mesma editora. E alguns, já muito antigos, pouca novidade. Dantes ainda refilava com os livreiros a ver se conseguia mudar alguma coisa, ou seja, se eu perguntasse por este e por aquele poeta, iria chamar a atenção para a falta desses livros e eles iriam encomendar, mas já desisti. Nunca se vê um livro de poesia em destaque. Ou pelo menos, é raro. Para se encontrar bons livros de poesia, o melhor é irmos a livrarias especializadas, como a Poesia Incompleta ou a Ler Devagar, em Lisboa, assim como outras boas livrarias especializadas que existem pelo país. Por exemplo, aqui em Faro, temos a Pátio de Letras, onde podemos encontrar livros que não existem nas livrarias ditas “normais” ou de grandes cadeias. Os livros que passam à margem das grandes distribuidoras, como os de editores independentes, não estão na maioria das livrarias do país.
Foste a grande responsável pela edição duma obra de poesia “Os dias do Amor”, da editora Ministério dos Livros. Imagino que tenham sido dias de verdadeiro entusiasmo e paixão pela poesia. Como surgiu a ideia de coordenares, sozinha, um trabalho de enorme dimensão? Deparaste-te com alguns obstáculos?
A história dessa antologia dava para escrever um livro... Mas vou tentar ser sucinta.
Uma amiga minha (Catarina Ferreira) tinha acabado de abrir uma editora e pediu-me para organizar uma antologia de poesia. Foi em Junho de 2007. Queria apostar na não-ficção e fazer uma experiência com Poesia. Eu aceitei logo. Propôs-me no início 365 poemas (um para cada dia do ano) e com a temática do Amor.
Houve outra restrição: uma vez que se tratava de uma editora pequena e recente, com pouco fundo de maneio, teria de usar poemas de autores cujos direitos já estivessem em domínio público. Quando “meti mãos à obra” decidi que não iria repetir poemas do mesmo poeta, mas fazer a antologia com 365 poetas diferentes, para poder ter uma abordagem mais diversificada. Isto complicou um pouco mais, pois teria de arranjar mais poetas e, além disso, todos em domínio público. Portanto, primeiro filtro: impossibilidade de pagar direitos; segundo filtro: só poemas de Amor. Fiz este trabalho durante 1 ano e meio. Tive ajudas preciosas: do poeta Amadeu Baptista, que passou palavra aos poetas seus amigos e conhecidos que começaram a enviar-me poemas. E ele próprio também traduziu alguns poemas para este livro. Tive também ajuda e aconselhamento de outros poetas como o E. M. de Melo e Castro. Também do poeta Casimiro de Brito, por exemplo, que me deu imensos poemas japoneses traduzidos por ele, etc. De uma maneira geral, contactei vários poetas meus amigos ou meus conhecidos que entretanto passaram palavra a outros poetas e a coisa transformou-se numa espécie de corrente-de-poemas-de-amor-para-enviar-para-a-inês. Este livro foi atípico porque não foi um produto encarado pelas pessoas como comercial. Foi antes um livro colectivo feito com partilha e generosidade, pois todos sabiam que eu estava a fazer o trabalho gratuitamente. E por isso também todos colaboraram gratuitamente. O livro esgotou nos armazéns da distribuidora logo no dia em que saiu para o público, neste momento vai em terceira edição. E ainda não fez um ano que saiu. Mais do que uma antologia de poemas de Amor, o livro tornou-se numa antologia feita com Amor, por mim e por todos quantos ajudaram a fazê-la nascer, com os seus poemas, com as suas traduções, com os seus conselhos, com a foto da capa que também foi oferecida por um poeta, etc…. Foi muito entusiasmante fazer este livro.
Que projectos se seguem? Quais são os teus principais objectivos em relação à poesia?
Entrevista publicada no suplemento S do jornal Postal do Algarve
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