sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Retrato do corpo

A maneira como leio as tuas palavras. O que não está escrito e o que pensas escrever de forma oculta. Imaginei que não seria fácil expor assim a vida. Por muito que tenhamos para contar, uma grande parte exige que sejamos contidos. Como se as palavras te pedissem respeito pelo que vais escrever. A infelicidade é uma rua estranha, e mesmo que a tenhas percorrido de olhos fechados, inúmeras vezes, nunca sabes onde estás nem para onde vais. Entras e julgas ter saído. Permaneces e julgas estar ausente.

Há também a violência física e psicológica. Nem todas as palavras têm estrutura para contar a tua história. Ficas de fora, evidentemente. Talvez as feridas reclamem novo tratamento e as palavras que voltares a escrever justifiquem outra versão do enredo.

E o sexo, coisa íntima, arma que carrega a responsabilidade de acertar sempre em cheio, perfeito, desejo elevado à condição do prazer. Tinhas dito: sexo com qualidade. Não estará a qualidade do sexo na acção consciente do acto amoroso? Palavra antiga, como se o amor fosse uma regra e não um elemento que se destina aos grandes relacionamentos, intempestivos e possantes. Subversivos e magoados.

A qualidade está no coração, esse gatilho que faz disparar o corpo enquanto obra de arte dedicada ao prazer. A qualidade do sexo está na arte do corpo. Não um corpo qualquer. Mas um corpo capaz de pensar o seu próprio acto. Um corpo sentimento que invade o outro na sua profundidade.

A impressão que toda esta história me fez sentir. Uma personagem tratada como uma puta. Materialista e fútil, quase mecânica e insensível. Uma actriz que se estuda ao espelho para mais um encontro. Uma jovem mulher que se perde em complicados jogos sexuais, porque estar só é para ela uma imagem do deserto reflectida nas suas lentes de contacto. Estar só é um tempo demasiado insignificante, e o corpo pede-lhe homens na paisagem. Também há o lado humano.

Uma mulher minimalista. Cada frase que dizes faz lembrar cartazes luminosos onde as palavras disparam a sua luz para nos revelar a obscuridade implícita no teu pensamento. Linguagem económica. Quase esqueleto. Se deres mais carne às palavras, agradeço. Se me deres sangue, veias, emoções, a pessoa que és arrasará em todos os sentidos. Sê um pouco mais humana e não tão fragmentária.

Sem comentários:

Enviar um comentário