quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Fernando Dinis

O romance A Casa do Esquecimento, vencedor da edição de 2008 do Prémio Literário
Fnac/Teorema é a estreia na ficção de Fernando Dinis. O autor nasceu em 1976. Estudou piano. Publicou em 2003 o primeiro livro de poesia “Dá-me-te”, (Hugin Editores). Em 2006 participou na antologia bilingue “Poema Poema - Antologia de Poesia Portuguesa Actual” - Huelva). Em 2008 participou na Revista Big Ode 4 e na Primeira Antologia Portuguesa de Micro-Ficção (Exodus Editora). Lançou o disco Piano Works, o primeiro trabalho de composição em piano. A Casa do Esquecimento dividiu a crítica literária, sinal de atenção e expectativa sobre um autor que procurou um tema complexo (o destino e o esquecimento) para revelar as suas capacidades ficcionais.


– O destino e o esquecimento constituem o tema central do teu livro “ a casa do esquecimento”. Poderá alguém, num dado momento da sua vida, sentir que o seu próprio destino é susceptível de sofrer alterações e manipulações por parte de quem nos relacionamos?


FD - São as decisões que vamos tomando que nos faz confluir numa realidade, uma soma de factores – e vivência com os que nos rodeiam, a responder à tua pergunta –, que nos conduz a determinada posição na nossa vida. Mas aceito que seja confortável atribuir ao destino, algo que parece estar fora do nosso controlo, a justificação para os episódios que se consideram marcantes. Quase como um princípio religioso, quando um crente se resigna e diz «foi a vontade de Deus». Para que a história do meu livro funcione na cabeça do leitor, e até dado momento, é forçoso que se acredite na existência/função do destino.

- Imaginamos que o destino de cada ser humano já traz associado um conteúdo e uma forma, cujo desfecho ignoramos porque não vivido. Crês na possibilidade de falharmos o nosso próprio destino?

FD - Essa é a visão tentadora de tudo isto, e a empresa que Artur Poeira concretiza na história, quase sem se dar conta. Fintar o quer que seja implica sempre uma acção activa sobre o que somos, o que vivemos e o que esperamos. E essa locomoção implica um desfasamento imediato da pessoa que existe em nós, um momento de ruptura, de descolagem do que julgamos ser a nossa identidade. Mas a dúvida prevalece: Fugir do nosso próprio destino não nos levará sempre a um outro?

- Não será o esquecimento uma forma de ignorarmos o que o destino nos reserva?

FD - O esquecimento abordado no meu livro surge pelo próprio destino. É o destino que falha a sua função e se esquece de alguém, cuja vida, consequentemente, entra num deserto de acontecimentos e propósitos. Tentei conduzir os personagens a situações limite (inclusive o próprio destino, personificado num jovem de modos atrevidos), para que todos atingissem o momento de rotura que falo na resposta anterior. Não só ao ‘esquecido’ é pedido um mudar de vida, como ao destino uma ‘brecha’ na sua função.

- O autor é o elemento condutor do destino da sua própria obra literária, ou pelo contrário, será o leitor o responsável?

FD - Penso que ambos. Não acredito num autor que escreva apenas para si. Um autor muito vendido, por exemplo, ao não querer defraudar a expectativa do que alcançou ao longo do tempo, escreve em função dos leitores – mesmo que decida escrever algo completamente diferente, não deixa de pensar neles –, e aí o destino parece já não estar nas suas mãos.

- Como tens reagido às críticas sobre o teu livro?

FD - Dou-lhes a importância que merecem. Retiro o que considero importante para o meu amadurecimento enquanto pessoa e autor. Passo por cima do que considero excessivo ou colateral. Aceito reparos fundamentados.

- Sermos esquecidos pelo destino não será uma espécie de jogo cego para o qual não podemos apostar mais do que nos cabe viver, resultando dessa experiência o sucesso ou o fracasso da própria vida?

FD - No caso do meu livro, sim. Artur Poeira vive uma experiência kafkiana, onde todos os outros parecem saber mais da sua vida do que ele mesmo. Sem forças ou ferramentas para contornar essa situação, apenas limita-se a aceitar o jogo que lhe é proposto, como única forma de tentar descobrir o que lhe está a acontecer. Se ele é bem sucedido ou não, já depende do ponto de vista. O livro vive muito do suspense, o que me impossibilita aprofundar mais.

- Murakami é conhecido por explorar nos seus livros o realismo fantástico. Pensas seguir essa linha?

FD - Eu gosto muito dessa linha, não só pelo Murakami, mas pelo próprio Saramago. Gosto das histórias improváveis. Gosto de pensar «isto é uma loucura, mas vamos levá-la até ao fim». Sempre tencionei escrever uma história assim, que me obrigasse à redobrada tarefa de não só contar uma história improvável, como torná-la credível. É óbvio que existe uma dose de risco incalculável, que podemos morrer com o nosso próprio veneno. Mas mesmo assim, quis fazê-lo. Se o continuarei a fazer, não sei. Neste momento trabalho num novo romance que parece não estar a seguir essa linha.

- O realismo mágico, absurdo, é uma fobia da própria realidade. Queres comentar?

FD - Agrada-me esse estado alucinatório, na nossa realidade. O excesso de informação, da nossa própria informação – hoje tudo se consegue saber sobre toda a gente – só pode originar mesmo uma fobia dos tempos modernos, uma paranóia (algo sobre o qual gosto de escrever). Mas essas consequências ainda não são conhecidas, embora há muito que entrem e sejam exploradas no plano literário.

- Agora que publicaste o teu primeiro romance, que responsabilidade sentes como autor?

FD - Divido a minha função de autor entre escrita e a música. Por isso, e como não consigo fazer ambas as coisas ao mesmo tempo, preciso de descansar de uma para me dedicar a outra. O que me torna avesso a qualquer tipo de carreirismo. Faço o que tenho a fazer, escrevo e componho, com a naturalidade de quem nada ambiciona. Faço-o porque sou naturalmente impelido a fazê-lo, não por me sentir responsável por um nome que queira ‘institucionalizar’.

- Andavas a escrever duas histórias que acabaram por se cruzarem. Acreditas que o lado laboral da escrita, com tudo o que implica artificialidade literária, é a melhor forma de definir um estilo?

FD - Comecei a escrever as duas histórias sem a intenção de estar a trabalhar para um romance final. Acima de tudo, vivi eu mesmo a expectativa que sente um leitor perante o desconhecido. Não queria forçar uma história, queria que tudo fosse variável e aberto a novas direcções e soluções. E só assim foi possível manter o meu próprio entusiasmo. A determinado momento, senti que uma história precisava da outra, e que ao uni-las, ficaria mais perto do meus propósitos enquanto autor. Quando encontrei o click que serviria de união, senti que o romance podia ter força, e decidi avançar para os concursos e editoras.

- É possível identificar Artur Poeira, personagem de “a casa do esquecimento”, no cenário da nossa própria realidade?

FD - Todos temos um pouco de Artur Poeira, nem que seja na condição resignada com que aceitamos diversos acontecimentos, sem que perante tal ousemos levantar questões. Ou viver numa condição indesejada só porque nos falta o alento e discernimento para mudar.

Entrevista publicada no suplemento S do jornal Postal do Algarve

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