Dois autores:
Fernando Esteves
Pinto (FEP), nascido em 1961, natural de Cascais e
residente no Algarve (Olhão) há várias décadas, autor sobejamente conhecido e
integrado no grupo da nova geração de talentos nacionais (José Luís Peixoto,
Walter Hugo Mãe, Gonçalo M. Tavares e José Carlos Barros, etc…) com várias
obras publicadas e premiadas na área da poesia, romance e ensaio. Também Editor
(revista de literatura Sulscrito e 4aguas).
Fernando Pessanha (FP) nascido em 1980, natural de Vila Real de Santo António, músico,
compositor e historiador (“A cidade Islâmica de Faro”edições Mandil 2013),
membro da CEPHA; sendo “Encontros Improváveis” a sua primeira obra de
ficção.
Com uns representativos 20 anos de diferença na idade, estão, no entanto,
os dois autores, irmanados por“improváveis” afinidades e cumplicidades geradas
no quadro da movida cultural do Portugal democrático e Europeu contemporâneo,
sobretudo a partir da mudança de paradigma que desde os anos 80 veio anunciar
uma sociedade pós-industrial e de informação assente no sector terciário dos
serviços e de classe média generalizada. Sociedade mais a fim de estabelecer laços
e cumplicidades intergeracionais, culturais, raciais etc… do que os
tradicionais blocos classicistas assentes em posturas de cariz ideológico e
sectário, actualmente tidos como redutores e castrativos, produtos ultrapassados da lógica modernista das sociedades
industrializadas e tecnocráticas anteriores à nova sociedade de informação.
Nascidos e criados em famílias oriundas do mundo estratificado do trabalho
com poucos ou nenhuns recursos literários (casa sem livros), obrigados a
assegurar desde cedo a sua autonomia e subsistência, entram no mundo da criação
resgatando o tempo às rotinas da vida profissional, criando nas horas escassas,
nos intervalos da labuta. (Património
Bukowski de FEP; Os Machados, A Livreira e o Escritorde FP).
A pressão de uma situação, a todos os títulos periférica e suburbana,
resultante dessa condição socioeconómica e cultural vai-se reflectir no enfoque
social da sua produção marcada pelo desencanto, pelo morbos de uma redução
existencial gerada numa ausência de futuro ou ideal, condição assaz comum nas
recentes gerações das sociedades ocidentais em capitalismo terminal (Saga in FEP e A Livreira e o Escritor
in FP). É neste clima que ambos os autores se movem numa estratégia de
distanciamento pela ironia e de exploração mórbida das relações sociais
marcadas pelo abandono dos sujeitos ao solipsismo narcísico e autista de um
ambiente em constante mutação. Impossibilitados de estabelecer afectos estáveis
e desejáveis, caem num universo de incomunicabilidade, inclusive consigo próprios
(culto do silêncio e do vazio), gerador duma sensação de sortilégio e acaso
marcados pelo absurdo e equívoco nos encontros/desencontros sempre improváveis,
algo inúteis e desviantes da amalgama urbana da vida acelerada da competição
generalizada (Observação do Pensamento,Saga, in FEP; e todo o livro de FP).
Traços de carácter que se foram instalando na modernidade, com autores como
Kafka, Poe, Pessoa, passando por Joyce, Becket, Sartre, Camus, Vergílio
Ferreira, entre muitos outros, onde é patente a progressiva perda dos
referentes que durante séculos apoiaram a narrativa literária.
Deus, o Homem, a comunidade implodiram sob a pressão do progresso
tecnológico isolando o sujeito numa orfandade ôntica, dir-se-ia amnésica,
afundando-o num niilismo sem recurso. O expressionismo brutalista e surdo deste
modo existencial parece ser a única forma de comunicação pessoal e interpessoal
(Saga, Coração da Cidadein FEP; A
Psicóloga, O Acidente, in FP). O grito (lembrando o quadro de Munch e o não
menos emblemático poema o UIVO de Alan Guinsberg), único esgar audível num
universo nocturno povoado de fantasmas/zombies que circulam penosamente saindo
e entrando na vida dos afectos como assombrações, num sonâmbulo microcosmos tão
vivido quanto sonhado. O romance negro manifesto no goticismo de um Poe
trespassa o clima de alguns contos de Pessanha (O Acidente), que surrealizando kafkaniamente (A Psicóloga), ora lançando-nos na teia dos equívocos Camusianos (A Madrasta; Os Machados) ou, na vertigem
do sortilégio Sartiano (A Prima)
vai-nos envolvendo no clima de uma psicologia existencial, especialidade
fenomenológica comum à densa prosa de auto interpretação de Fernando Esteves
Pinto, como em (Observação do Pensamento),
acentuando a afinidade de ambos os escritores a uma abordagem de teor
existencial.
É também recorrente a presença nas páginas das duas obras da única e fatal
âncora do sujeito em desagregação: O Corpo Erotizado (A Madrasta, A Prima, Os Machados, de FP; Bukowski e Lydia Vance, Saga, Coração da Cidade de FEP). Centro vulcânico da compulsão sexual, o
corpo, que exacerba e requisita em desespero salvífico, o eu concreto e
coisificado, centro sensitivo, poço escuro da volúpia emocional e presencial do
sujeito.
Dois autores cuja obra difere no estilo, recursos narrativos, maturidade e
formação assinalando uma variação geracional do “estado de consciência” e de
sociabilidade face à condição dominante da época, que teima em perdurar nesta
espécie fim de tudo que habitamos.
Idade terminal pronunciadora de enormes catástrofes, arrasta na sua queda os
valores e as ideias, alicerces de qualquer sociedade humanista rumo a uma
repelente trans-humanidade. Pesadelo que promove um gélido e idiota ser
protésico: o andróide humanizado, o
herdeiro da terra e mentor da saga iluminista que oferece a humanidade de
barato, em sacrifício ao Deus Progresso, Pai da famigerada Modernidade e da sua
colossal impostura.
É neste contexto que, penso, devem ser lidos estes dois livros: como
núcleos de resistência humanista. Uma resposta de bem-humorada e fina ironia (Terapia dos Livros in FEP; e todos os
contos de Encontros Improváveis de FP),dando-nos sinal positivo da
subsistência e sobrevivência do sujeito soberano e imprevisível, capaz de
alterar a actual condição e desafiar na sua anónima e épica luta as forças
devastadoras que incautamente criou. Oxalá o consiga, no entanto, só a arte e a
criação é capaz de proteger a individualidade e criar o distanciamento lúcido.
Delas depende a compreensão necessária ao sentido de existência do Humano Sentidoque nestes dois livros é
superiormente questionado e equacionado à luz de uma profunda e contemporânea
visão.
José Bivar
Bela Mandil, 9 de Julho de 2013.
José Bivar
Bela Mandil, 9 de Julho de 2013.
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